No último dia do ano chegaram-me desde Canárias estes versos da querida Koldobi Velasco. Emocionaram-me muito e de imediato senti que representam a essência deste projeto. Os nossos desejos para este novo ano.
Seguiremos a nutrir redes de colaboraçom e afeto que sustentem existências em comúm. Que agromem muitos mais ácios plenos de sabor, cor, companhia neste ano.
Como construir comunidades afetivo-políticas sem a potência do abraço? Esta pergunta reverberou em mim tantas e tantas vezes nos últimos meses que acabou guiando a redaçom deste texto, incluido no sétimo número da revista feminista Revirada e que versa sobre o sugerente tema “Terra. pele, água”.
Imagino que as pessoas que me seguem há algum tempo conhecem a minha implicaçom em diferentes espaços e iniciativas sociais. Algo que vem de longe e que nesta altura empapa-se deste compromisso renovado com a saúde e o bem estar da comunidade que supom o projeto Biodanza Cheia de Vida.
Por isso é imensa a satisfaçom quando se conjugam estas duas dimensons que sinto profundamente interligadas: o engajamento social e o desenvolvimento deste projeto profissional que em realidade nasce e nutre-se do primeiro. Este mês vivim experiências que encarnam essa cumplicidade de fazeres.
Há um par de meses conheci a Lia García/ La Novia Sirena (IG: @cucaracha_debarrio) ) neste podcast das incríveis Afrochingonas. Lia é pedagoga, artista, contadora de histórias e ativista feminista e polos direitos humanos e da comunidade trans. Mas sobre tudo sinto a Lia como umha mulher combativamente terna, umha artesam das palavras, umha fiadeira da memória ancestral das suas comunidades de pertença e umha alquimista que faz poesia, educaçom, arte e política a partir da resignificaçom de mitos e símbolos arquetípicos.
Desde que a conheci, é umha das minhas figuras de inspiraçom e guiança no sentir, pensar e fazer umha pedagogia biocêntrica para a emancipaçom, a felicidade e os bons viveres. E também converteu-se numa companheira mui querida!
Depois de meses practicamente sem atividade presencial com Biodanza, chegamos ao arranque deste novo curso com as incertezas e os medos à flor de pele. Os que sinto à minha volta e também os meus próprios.
Já nom me identifico com discursos que negam o medo e que o confrontam com imaginários (supostamente desejáveis) de afouteza e ousadia. O medo é umha emoçom útil como todas as demais. O medo vai ligado ao nosso instinto de sobrevivência e à nossa condiçom de seres vulneráveis. Já nom aspiro a nom ter medo. Desejo poder escutar a sua mensagem, extrair a sua essência e fazê-lo manejável. Algo com o que poida conviver de forma amigável. Escutá-lo com toda a ternura e a compreensom que poida ofrecer-lhe, mas tratando que nom me paralise.
Por isso decido voltar a convocar sessons presenciais de Biodanza. Porque o contrário seria para mim estar presa do medo. Seria desatender o que me diz a intuiçom profunda e a minha leitura sobre o estado da corporalidade das pessoas nesta altura. As emoçons tam intensas que vivemos e que ainda estamos a viver estam a impactar profundamente a psicomotricidade, a vitalidade e a expressividade da gente. Vejo corpos rígidos, doloridos, opacos. Vejos movimentos desintegrados, olhares esquivos, um estar no corpo ansioso ou apático. Percebo como este estado que se quer fazer passar por “normalidade” está a filtrar-se na relaçom das pessoas consigo mesmas e com as demais.
Estas semanas fiz um descubrimento. Ou melhor, assentei e resignifiquei algo que sei há algum tempo com as células, mas que ainda nom chegara à consciência.
Sou umha pessoa que convive com umha escoliosis desde pequena. Toda a vida escutei a profissionais da traumatologia dar-me a receita de como prever contraturas lumbares e estar dias dolorida: higiene postural, exercício, fortalecer a musculatura na que se sustenta a coluna. Depois de anos habitando esta casa que é o meu corpo, descobri algo mais. Algo que me está ajudando a entender-me e a situar-me neste momento porque levo duas crises em quinze dias.
“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.” Maurício Francisco Ceolin
Hoje a chuva escampou depois de dias caindo forte. Saiu um raio de sol chamando ao passeio, a respirar o ar húmido e renovador. Levava ânsia de terra e de verde nos olhos. Tudo ao redor parecia empapado por umha magia diferente essa tarde. O parque de sempre semelhava umha fraga misteriosa e nutricia. E de súpeto vim-na.
Nas hortas que dam colorido e alimento ao bairro vim medrar esta árvore. Conhecim-na quando ainda era feble e desajeitada. Em dias de invernia mesmo parecia que se quebraria com algumha rajada de vento. Nom dava sombra, nom chamava demasiada atençom. Era umha árvore mais.
Um lar é muito mais que umha casa. Para além da estrutura que tem e das prestaçons que oferece, um lar está empapado de elementos subjetivos que apelam à segurança e aos afetos. É um espaço para sentir-se à gosto e ao que podes convidar outras pessoas e cuidar de que também elas sintam-se bem. Porque àquilo que partilhamos saboreia-se com mais prazer, com mais satisfaçom.