Em solidariedade com o povo palestino que ensinae cultiva vida em meio aos bombardeios
Este fim de semana achegámonos a Catalunya para participar no Encontro estatal de Biodanza. Chegará o momento de partilhar as sensaçons, aprendizagens e trabalhos partilhados ali. Hoje me urge escrever sobre outro tema.
Durante a passada semana, e especialmente nos últimos dias, tive o corpo e o coraçom apertados pola situaçom que atravessa Palestina.
Tive muitas dúvidas se permanecer no Encontro, se tinha sentido estar ali enquanto noutro(s) lugar(es) há vidas sendo violentadas, territórios sendo usurpados, natureza e bens comuns sendo espoliados.
Na mesma semana na que muites afirmávamos que o colonialismo nom rematou, este se manifestava em todo o seu potencial destrutivo nas atuaçons do Estado de Israel contra o povo palestino, somando maior sofrimento a umha situaçom extrema, que leva acontecendo há máis de 70 anos perante a indiferença da comunidade internacional.
Tem sentido dançar num mundo despedaçado? Faço-me essa pergunta e nom encontro umha resposta fácil. Nom creio que exista.
Hoje as redes sociais estam repletas de conteúdos referentes ao 8 de março. Desde aqui, desde um projeto comprometido com catalizar espaços de liberdade e botrato nom só para as mulheres, senom para as identidades e corpos atirados para as margens da sociedade (incluindo a natureza enquanto organismo vivo que é alvo de tanta violência), nom sabemos muito bem que compartilhar…
Empregamos a Biodanza SRT como umha ferramenta de despatriarcalizaçom e de descolonizaçom. Trabalhamos para dissolver as dinámicas e estruturas de dominaçom. Buscamos resgatar valores que sustentem a vida em comum que tanto precisamos e que o atual cenário de crise ecológica faz imperioso cultivar. Nutrimos a horizontalidade, a cooperaçom, a reciprocidade, a comunicaçom silenciosa e profunda, a ternura, a ledicia, os cuidados, a vulnerabilidade que se faz interdependência. O pertencimento. A responsabilidade com o estar de outres, sem perder a autonomia.
Muita coisa acontecendo este quatrimestre, tanto no plano pessoal como nesta missom de vida (hai quem lhe chame de “profissom”, para mim é vocaçom e chamado) que me trouxe a Biodanza e outras tecnologias pedagógicas e afetivas de sonho e materializaçom de bons viveres.
Chegamos ao fim de um ciclo. Esta lunaçom traz um tempo de recolhimento para este projeto. Afundaremos nisso, mas antes toca partilhar os frutos do trabalho destes meses. Um deles é o projeto Biodanza para o bom trato.
Vivo o outono, e especialmente a noite de Samhaim, como momentos importantes. Potentes.
Um parêntesis para a reflexom, o discernimento, a lembrança de quem já nom está. Um tempo de olhar para trás para poder projetar o futuro quando chegue a hora propícia. Agradecer polos frutos recolhidos e guardar o necessário.
Yásnaya Aguilar, desde terras mixe ao norte de Oaxaca, conta que o seu tataravó, antes de morrer dunha epidemia desconhecida que concorria com altas febres e que ficou conhecida como jëën pä’äm, a enfermidade do fogo, legou-nos ao futuro umha história1. Umha história real, umha história da que aprender.
Ao tataravó lhe contarom de neno que durante umha grande epidemia que assolara essa regiom, umha das famílias decidiu que a melhor maneira de frear o contágio era escapar a um lugar remoto levando consigo todo o milho e alimentos disponíveis. O que escapou do seu razoamento é que levarom consigo, ademais dos alimentos roubados à comunidade, a enfermidade. Quando esta fêz-se presente com as suas febres de fogo, todos os membros da família escapista pereceram sem receber ajuda. Nom houve quem lhes puidera achegar água fresca para baixar a febre ou quem lhes confortasse nas horas finais. Mesmo nom tiverom quem puidera dar-lhe sepultura umha vez realizada a última viagem. Polo que o anciao, o tataravó de Yásnaya, antes de morrer advertiu às geraçons futuras: non vos enganedes, nom caiades nessa mentira. O bem individual depende do bem coletivo.
Atopamo-nos no fim de outro ano marcado pola pandemia. Preocupa-me o feito de que além de novas variantes do vírus, o que se espalha é umha maneira de estar na vida marcada pola distância, polo individualismo, por tentar salvar-se cada quem pola sua conta. Som tantas mensagens e tamanho o apelo a fortalecer essa forma de ser, que as vezes faz-se-me difícil escapar dela, depurá-la.
Por isso, num momento histórico tam convulso, beber da sabedoria dos povos originários, que passarom já por tantas calamidades e epidemias e continuam avida, nom só a das suas comunidades senom a vida dos bens naturais que nos rodeiam, é para mim antídoto e medicina.
Na práticas e saberes das comunidades ancestrais está a raíz do princípio biocêntrico. A vida segue o seu curso e dita as suas próprias leis. Umha delas é a da interdependência. Necessitamo-nos.
O abraço segue a ser umhas das formais efetivas de manter o nosso sistema imune ativo. A co-escuta compassiva desde sempre ajuda a calmar as nossas angústias. Mover-nos ao som dumha música alegre desperta sensaçons de esperança e de leveza. Brindar-nos apoio segue a ser umha das maneiras mais autênticas de dar significado à nossa existência. Construir projetos comuns, por mais pequenos que sejam, faz-nos mais fortes.
Desejo que neste novo ano poidas seguir explorando outras formas de ser e de (com) viver que te situem no caminho dumha vida com significado, com plenitude. Com abundância de afetos e abraços. Com a alegria serena de partilhar o que se tem. Com motivaçons profundas para seguir na tua travessia e num caminho comum cara a justiça social e a felicidade humana.
Que a janela da vida esteja aberta para ti neste 2022. Que te mostre cada dia que fora temos muito do que aprender e desfrutar. Que a natureza te inspire.
1Esta historia está belamente narrada no texto “ Jëën pä’äm, la enfermedad del fuego” que forma parte del libro “Todo los que nos queda es (el) ahora, textos com corazón y dignidad sobre la pandemia de nuestro tiempo”. VVAA, editado por La Reci.
Damo-nos umha pausa nas férias estivais para partilhar como vivemos as primeiras seis luas do ano e fazer balanço do caminho andado até aqui.
Num ano no que as dificuldades seguirom estando presentes por mor da situaçom pandêmica, levar adiante qualquer iniciativa (e mais ainda quando se trata de projetos radicados na corporalidade, na presença e no contato) é todo um desafio. Reformular as expectativas foi vital para lidar com as frustraçons e reconhecer o valor do que fazemos.
Capaz nom te decataste de que êste mês nom convoquei o Encontro Biocêntrico Tecendo Saúde. O motivo é simples: depois de muito reflexionar decidim que é o momento de fechar este projeto. Polo menos na sua forma atual. Fago-o desde o sentir profundo de que este projeto cumpriu com os objetivos marcados e tivo a sua funçom na algura na que nasceu, alá polo mes de abril, em pleno confinamento. Porém agora é tempo de sacar as tesouras e fazer poda.
“Durante os meses de confinamento domiciliário, dado o isolamento em que se encontravam muitas pessoas e os altos níveis de mal-estar psíquico, abrimos um espaço biocéntrico em linha do cuidado comunitário da saúde. Encontros virtuais umha vez por mês nos quais poder partilhar sentires, reflexons e práticas saudáveis. Tecendo saúde foi o nome dado a esse projeto piloto de investigaçom-açom no que experimentamos com a Biodanza no contexto virtual.
Os objetivos eram claros: mover o corpo, aliviar tensons, recuperar alento. Fomentar o sentimento de pertença a umha comunidade que cuida da saúde pessoal e coletiva. Trabalhar conteúdos tam fundamentais como a sustentabilidade da vida desde linguagens e racionalidades nom hegemónicas. Através da co-escuita, da palavra sentida, da vivência, do movimento, dos elementos simbólicos e da música abrimos portas a aprendizagens em comum tendo a afetividade como guia. Ao longo de onze meses refletimos sobre cuidados e auto-cuidados, interdependência, vulnerabilidade, memória, território, espiritualidade, comunidade. Nom a partir do teórico, mas do experiencial, do mítico, do poético, sem prejuízo de nom estar a partilhar presencialmente.
De um tempo a esta parte escuito em muitas bocas a expressom “pôr a vida no centro”. Umha frase mui presente entre a comunidade biodanceira, alude à pedra angular do Sistema Biodanza e ao compromisso que deve orientar a nossa prática profissional, pessoal e coletiva.
Recordo que a primeira vez que escuitei falar do princípio biocêntrico fiquei mui surpreendida dado que convergia em grande medida com as formulaçons ecofeministas. A ideia de que a fantasia de autosuficiencia, progresso e domínio da natureza oculta umha profunda ecodependência. De que formamos parte dunha grande rede que conecta diferentes formas de vida e que a vulnerabilidade que nos caracteriza como espécie faz-nos interdependentes. Precisamos de outres para viver. Por isso o amor, a ternura e a sociabilidade som tam importantes para a nossa sobrevivência.
Porém, os corpos que historicamente reproduzírom e sustentárom a vida humana e nom humana fôrom o das mulheres e identidades dissidentes do sistema sexo-gênero heteropatriarcal.
Hoje ao preparar o encontro biocêntrico do próximo domingo, que como sabes versará sobre o acorpamento coletivo da ansiedade desde a compaixom, lembrei deste artigo da querida Mai Insua para a Revista Revirada.
Um texto que me ressoa muito porque comunica desde a experiência própria e a vulnerabilidade. E também porque nos convida a abraçar esta emoçom e compreender a sua mensagem:
“A ansiedade ten que ver cun sistema natural de alerta que traemos de base e que está relacionado coa nosa supervivencia. “