“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.” Maurício Francisco Ceolin
Hoje a chuva escampou depois de dias caindo forte. Saiu um raio de sol chamando ao passeio, a respirar o ar húmido e renovador. Levava ânsia de terra e de verde nos olhos. Tudo ao redor parecia empapado por umha magia diferente essa tarde. O parque de sempre semelhava umha fraga misteriosa e nutricia. E de súpeto vim-na.
Nas hortas que dam colorido e alimento ao bairro vim medrar esta árvore. Conhecim-na quando ainda era feble e desajeitada. Em dias de invernia mesmo parecia que se quebraria com algumha rajada de vento. Nom dava sombra, nom chamava demasiada atençom. Era umha árvore mais.
Hoje decatei-me de quanto crescera. Fiquei absorta contemplando a sua copa. Pareceu-me um fogar. Convidava amavelmente a deixar-se estar, a sonhar. Ao sentar ao seu abrigo descubro que nom carrega ningum fruto. Observo as suas irmás, todas elas árvores frutais, e vejo poucos; isso sim, alguns têm um aspecto delicioso.
Seica este ano hai pouca fruta. Dim que é porque estamos num ano desfavorável (“ano bisexto, fome no cesto”) ou que pode ter que ver com o tempo, mais seco que o habitual. Eu o que creio é que a Terra sinte o nosso momento, as angústias, os medos, todas as emoçons que nos atravessam. Como nom ha sentir se somos parte dela? Por isso nom me extranha que lhe custe mais à sávia circular e nutrir.
Para mim também está a custar oferecer os meus frutos. É dificil fazer que o entusiasmo se materialize em propostas concretas em meio a tanta incerteza. Nom sei cando, nem como nem onde poderei retomar as atividades presenciais de Biodanza. Isso me inquieta.
Tem ajudado muito observar e escutar a mensagem das árvores que este ano portam escassos frutos. Para rebaixar as expectativas e colocar a minha sávia ao dispôr do que poida nascer. Com a certeza de que os frutos resultantes talvez sejam poucos, mas terám umha alta concentraçom de amor e de esperança, de ilusom. Quando ronda a penúria, a miséria afetiva e de contato, que importa a quantidade? Acaso nom tem valor a intençom, o desejo e a fé no que cultivamos?
Intuo que abraçar este agora é também desandar o caminho produtivista e de hipercontrole. Nestes tempos convulsivos, estar conectada com a intençom da semente. O único sobre o que de verdade podo incidir.
Foto: Antonio Calafate em Flickr.